Se a homeopatia estiver certa, e existir no universo um princípio cujo efeito seja maior quanto mais diluído esteja, estão erradas a química, a física e a medicina modernas.
Acima: Reagentes nas estantes do laboratório do antigo Instituto Politécnico de Lisboa, hoje um museu. (Foto: j.colucci)
O FÍSICO E A POROROCA
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa de 14 de fevereiro de 2001, Edição 108.
A má vontade dos especialistas para com os jornalistas que se encarregam da divulgação científica é notória. É comum rotularem-se de superficiais as matérias sobre ciência e tecnologia, e de inconseqüentes as sobre medicina e saúde. O que dizer, no entanto, de matéria como a que publicou A Folha de São Paulo em 8 de fevereiro de 2001 sobre a homeopatia? A repórter que a assina usou dados da associação máxima da especialidade, consultou profissionais credenciados e ouviu o relato de empresas e pacientes em apoio à homeopatia. O que faz o leitor crítico diante desta e de muitas outras reportagens sobre a medicina dita alternativa? É fácil acusar de levianas matérias que divulguem terapias obscurantistas e carentes de valor científico, mas o que dizer da que promove uma especialidade médica que tem a benção do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira, é utilizada na rede pública, conta com 15 mil profissionais cadastrados no país e ganha adeptos a cada dia? Pedir que a imprensa seja mais responsável do que as duas entidades oficiais citadas acima seria ingênuo, mas não descabido. Quando os interesses mercadológicos de uma categoria falam mais alto do que o interesse público a imprensa deveria ser a primeira denunciá-los — porque só interesses mercadológicos explicam o reconhecimento oficial da homeopatia. Se a homeopatia estiver certa, e existir no universo um princípio cujo efeito seja maior quanto mais diluído esteja, estão erradas a química, a física e a medicina modernas. No resto deste artigo, convido o leitor que não esteja disposto a abandonar as conquistas do pensamento científico a considerar as bases físicas da homeopatia.
O físico e a homeopatia
Em minha juventude tive a felicidade de conviver com Mário Schenberg, o grande astrofísico brasileiro. Num daqueles dias, surpreendi-o, de pijama e chinelos, na cozinha de sua casa na Rua Dr. Arnaldo, a separar, contar e colocar com todo o cuidado debaixo da língua vinte e tantos glóbulos brancos de um remédio homeopático. Tentei mostrar-lhe a incoerência: ele, um cientista famoso, utilizando-se de um método terapêutico para o qual não há qualquer comprovação científica. Falei das diluições extremas, da constante de Avogadro, da impossibilidade estatística de existir naquele produto uma molécula sequer do princípio ativo, e, em pouco tempo, lá estava eu, na petulância de meus vinte e poucos anos, a dar lições de química elementar ao homem que desenvolveu, com Chandrasekhar, o modelo estelar com núcleo isotérmico. Sempre bondoso, Mário não se aborreceu com a insolência. Disse apenas que se eu pretendia aplicar o método científico deveria antes inteirar-me de suas limitações, pois o método científico testa a validade da hipótese e mais nada. Não revela se a hipótese a ser testada é a única possível, ou sequer se é razoável. Para formular hipóteses é preciso imaginação, pois fazer ciência é um ato criativo. Minha hipótese, Mário esclareceu, era a de que o efeito terapêutico se devia ao princípio ativo. Sob esse ângulo o raciocínio era perfeito: sem a presença do princípio ativo o remédio não funcionaria. O que eu não considerava era que o efeito terapêutico poderia dar-se através de outro fenômeno qualquer, por exemplo, pela modificação da estrutura molecular do solvente por ação do soluto. Segundo essa hipótese alternativa, o solvente — água ou álcool— transformar-se-ia pelo simples contato com as moléculas do princípio ativo, e a eficácia do remédio não dependeria mais da presença daquelas moléculas. Mário disse essas coisas com um sorriso maroto nos lábios, o que, na época, imaginei dever-se ao prazer de confundir a cabeça do moleque impertinente. Hoje sei que não, mas essa é outra história [1]. Aprendi, graças a minha impertinência, que o método científico — ou, mais propriamente, o indutivo — também tem suas limitações. Tivesse eu, além da impertinência, um pouco mais de espírito crítico, teria percebido a falácia da hipótese alternativa sugerida por Mário. Teria usado Popper, recém-estudado no curso de pós-graduação, para contra argumentar. Sendo como era, aceitei o argumento da autoridade. Se vinha de Mário Schenberg, tinha de estar correto. Meu único consolo é encontrar-me em boa companhia. A suspensão da razão crítica com relação a correntes filosóficas místicas, terapias alternativas, pseudociência, fenômenos paranormais e dogmas religiosos tem afetado gente melhor e mais preparada do que eu. Com o presente artigo procuro retificar — um tanto tardiamente, reconheço — aquela omissão da juventude.
Samuel Hahnemann: o pai da homeopatia
Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843), o criador da doutrina homeopática, foi um grande médico. Quando começou a formular os princípios da homeopatia (do grego homeo, semelhante, e pathos, sofrimento ou doença), em fins do século dezoito, o horror que nutria pela medicina tradicional de seu tempo era justificado. Entre os recursos médicos da época contavam-se a aplicação de sanguessugas, os enteroclismas (lavagens intestinais), as sangrias, a administração maciça de drogas perigosas e outros métodos invasivos que geralmente faziam mais mal do que bem. Hipócrates foi a inspiração de Hahnemann para a lei dos semelhantes. Disse ele: “Há doenças que são tratadas pelo similar, outras pelo contrário. Tudo depende da natureza da doença.” A noção de que a maioria das doenças pode ser curada pelos mesmos agentes que a causam também é encontrada na medicina chinesa. Se a cura do semelhante pelo semelhante prenunciava-se em Hipócrates, em Paracelso ela era explícita. Foi ele o autor da frase similia similibus curantur, erroneamente atribuída a Hahnemann. Como Hahnemann conhecia perfeitamente o latim e o grego antigo, podemos crer que bebeu de primeira mão dessas fontes clássicas, embora haja quem discorde. Partindo de observações feitas a partir do uso do extrato de quinino, que, usado em pessoas sadias, parecia produzir os mesmos sintomas da doença que era usado para tratar, a malária — chamada então de febre dos pântanos —, Hahnemann formulou o primeiro axioma da homeopatia, conhecido como Lei dos Semelhantes. Outros dois axiomas da homeopatia são a Lei do Remédio Único, que estabelece que o remédio mais eficaz é a substância pura que produza os mesmos efeitos da doença a combater, aplicada em dose única, e a Lei da Dose Mínima, ou dos Infinitesimais, que diz respeito à diluição do princípio ativo, o famoso e controverso princípio do “quanto mais diluído mais forte”.
Quanto mais diluído mais forte
A diluição, chamada em homeopatia de potencialização ou dinamização envolve uma seqüência progressiva de diluição e agitação rítmica, a chamada sucussão. A primeira diluição é obtida adicionando-se uma parte do princípio ativo a nove partes de solvente, geralmente água ou álcool. Faz-se em seguida a sucussão percutindo-se ritmicamente o frasco com a solução contra um anteparo, geralmente uma tira de couro. A potência da solução obtida é de 1DH na escala decimal hahnemanniana, ou seja, uma parte em dez. Para obter-se a potência 2DH, no mesmo sistema decimal, mistura-se uma parte da solução anterior em nove de água, o que resulta em solução com uma parte de soluto em 100 (1 seguido de dois zeros) de solução. Similarmente, obtém-se as potências seguintes, de 3DH até diluições extremas como 30DH, ou seja, 1/10^30, uma parte de soluto em volume de solvente representado pelo número um seguido de trinta zeros.
Embora as diluições mais usadas estejam entre 6DH e 30DH, a coisa não pára por aí, há diluições ainda maiores. Além da escala decimal, representada por DH, existem outras. A escala centesimal hahnemanniana, por exemplo, representada por CH, é bastante usada. Na escala centesimal, uma solução 1CH é 1/100, 2CH é 1/10.000, 3CH é 1/1.000.000, e assim por diante. São comercializados remédios homeopáticos que vão até 200CH, ou 1/100200. Diluições tão altas escapam à compreensão, por não terem paralelo em nossa experiência comum. Os exemplos das seções seguintes talvez ajudem e surpreendam.
Hahnemann e Avogadro
Hahnemann foi contemporâneo de Amadeo Avogadro (1776-1856) mas certamente não conheceu o trabalho do grande químico e físico italiano. O “Organon” foi publicado um ano antes da formulação da hipótese de Avogadro; muitos anos antes, portanto, da determinação do número que veio a ser conhecido por Constante de Avogadro. Avogadro descobriu que o número de átomos ou moléculas em um mol de uma substância qualquer é constante. Esse número — determinou-se mais tarde — é igual a 6,022137 x 10^23. Um mol, ou molécula-grama, é o equivalente em gramas da massa molecular da substância. A massa molecular da água, por exemplo, é 18, pois a molécula da água, H2O, contém dois átomos de hidrogênio, de massa atômica 1, e um átomo de oxigênio, de massa atômica 16. Assim, há exatamente 6,022137 x 10^23 moléculas em 18 gramas de água.
As leis da química permitem determinar a solução mais diluída que pode ser preparada sem a eliminação completa da substância original. Estatisticamente, só é garantida a presença de pelo menos uma molécula do princípio ativo em soluções mais concentradas do que uma parte de soluto por volume equivalente à constante de Avogadro de partes de solvente, ou seja, 1 parte de soluto por 6,022137 x 10^23 partes de solvente. Isso quer dizer que a partir das potências homeopáticas 24DH ou 12CH, ou 1 parte em 10^24, a chance de existir uma única molécula do princípio ativo no medicamento é quase nula, e diminui ainda mais com a elevação da potência.
A sucussão da pororoca
O Amazonas, maior rio do mundo, por onde passa um quinto de toda a água da superfície do planeta, descarrega no mar cerca de 175 mil metros cúbicos de água por segundo. O volume é tanto que a 150 km de sua foz as águas do mar ainda são menos salgadas devido ao enorme volume de água despejado pelo rio. Fazendo as contas, verificaremos que a vazão do Amazonas é igual a 1,75 x 10^11 centímetros cúbicos por segundo. Um centímetro cúbico de água contém aproximadamente quinze gotas; a vazão em gotas por segundo é, portanto, de 2,63 x 10^12. Na diluição homeopática 30DH, uma parte de princípio ativo — digamos, uma gota — é diluída em 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 gotas de água. Para despejar essa quantidade de gotas, o Amazonas levaria cerca de 3,81 x 10^17 segundos, ou seja, 12.079.920.756 anos. Imagine que fosse possível arranjar um meio de conter toda essa água, que é equivalente a milhares de vezes o volume de todos os oceanos da Terra. Para chegar à diluição 30DH seria só pegar um conta-gotas, ir até a foz do Rio Amazonas, no Pará, pingar uma gota de princípio ativo no rio e aguardar pouco mais de 12 bilhões de anos até a diluição final. E esperar que a pororoca se encarregue da sucussão.
O pato de 20 milhões de dólares
Se o leitor ficou surpreso com o cálculo acima, apresento outro ainda mais surpreendente, este de Robert L. Park, físico da Universidade de Maryland, nos EUA. Um produto chamado Oscillococcinum, produzido a partir de fígado e coração de pato, é comercializado na potência 200CH. Se uma única molécula da substância original pudesse estar presente no produto final, sua diluição seria de 1 por 1 seguido de quatrocentos zeros — um número maior do que o número estimado de átomos em todo o universo conhecido, que não é mais do que um mísero googol, ou seja, 1 seguido de apenas 100 zeros. O Oscillococcinum é vendido como tratamento para os sintomas de gripes e resfriados. A revista americana U.S. News & World Report de 17 de fevereiro de 1997 observou que um único pato seria suficiente para fabricar o estoque anual do produto [2], cuja venda total foi de 20 milhões de dólares em 1996. Como se vê, a popularização do uso do Oscillococcinum não chega a ameaçar os patos de extinção.
Os remédios homeopáticos para uso interno são ingeridos na fórmula de glóbulos, tabletes, pó ou diretamente na forma de solução hidroalcóolica ou aquosa. As formas sólidas — glóbulos, tabletes e pós — são fabricadas pingando-se uma gota da solução diluída sobre um veículo inerte, geralmente sacarose ou lactose. Park calculou que, para ter certeza de ter ingerido uma única molécula da substância medicinal presente na potência 30DH, seria necessário ingerir dois bilhões de tabletes, cerca de mil toneladas de lactose mais as impurezas que a lactose porventura contenha.
Os fatos apontados acima são entendidos e aceitos pelos homeopatas. O próprio Hahnemann percebeu que provavelmente nenhuma molécula da substância original restaria após essas diluições extremas — as chamadas diluições ultramoleculares. Hahnemann acreditava, no entanto, que a ação vigorosa da sucussão deixa no solvente uma “essência espiritual imperceptível aos sentidos” que estimularia as “energias vitais” do corpo. Se hoje esse tipo de linguagem soa pouco científica, no tempo de Hahnemann ela podia-se justificar. Basta lembrar que seus colegas de profissão ainda falavam em extrair o sangue mau e balancear humores.
Mais do que uma vaga lembrança
Alguns proponentes atuais da homeopatia, incapazes de contestar a realidade física da constante de Avogadro, afirmam que mesmo quando desaparece a última molécula do principio ativo, sua “memória” permanece na solução. O assunto, antigo, ganhou vida nova em 1988 quando Jacques Benveniste e seus colegas publicaram na prestigiosa revista Nature um trabalho que parecia indicar que anticorpos diluídos em soluções de até 30DH — bem acima do limite teórico de Avogadro — ainda conseguiam produzir respostas biológicas (Nature 333: 816, June 30, 1988). Benveniste atribuiu essa propriedade à “memória” da água, que, após a sucussão, ainda se “lembrava” dos anticorpos que encontrara antes embora não existisse uma molécula sequer deles na solução diluída. Diante do ataque da comunidade científica ao artigo, o editor da revista, John Maddox, disse em editorial duvidar do acerto das conclusões de Benveniste, mas que as publicara assim mesmo em nome do livre intercâmbio de idéias. A controvérsia gerada levou a Nature a nomear uma comissão científica para investigar o caso. Concluiu-se que os procedimentos de Benveniste careciam dos procedimentos rigorosos que devem orientar a pesquisa científica. O experimento de Benveniste nunca foi reproduzido com sucesso por pesquisadores sérios e, com o tempo, Benveniste começou a cair em desgraça. Na percepção de seus colegas, Benveniste passou de cientista respeitado a doido varrido, perdendo verbas de pesquisa e seguidores fora do círculo de homeopatas radicais. O próprio Benveniste não coopera muito com os que tentam resgatar-lhe a imagem, pois sua última descoberta é que a vibração das moléculas pode ser captada, gravada e enviada por telefone, produzindo efeitos à distância. Por essa contribuição, Benveniste ganhou o prêmio IgNobel da Universidade Harvard, atribuído anualmente a pesquisas estapafúrdias.
A falta de memória da água
Concedendo o benefício da dúvida aos que acreditam que Benveniste seja mais um mártir da arrogância da ciência oficial, esforcemo-nos para acreditar, por um breve momento, que a água consiga, de alguma forma, “lembrar-se” de outras moléculas com que tenha tido contato. O que deveria nos surpreender neste caso não é a memória, mas a falta de memória da água. A água que existe no mundo já viu muita coisa; já foi nuvem, mar e rio; já foi arrastada em enxurradas desde a cidade de Ur na Mesopotâmia até a favela da Rocinha; já passou pela banheira de Cleópatra e pela bexiga de Júlio César; já escorreu pela fronte de Napoleão e pelas cachoeiras da Casa da Dinda. Espanta que tenha se esquecido de tudo o que viu. Continuemos, no entanto, a demonstrar a nossa boa vontade para com os homeopatas e assumir que a destilação faça a água “esquecer” as moléculas que tenha encontrado em seu passeio através dos tempos. Vamos também fazer de conta que a destilação elimina todas as substâncias dissolvidas na água, o que não é verdade. O que dizer então da contaminação no momento do preparo? O que acontecerá se uma partícula de impureza atingir a água no momento anterior à sucussão? É fácil imaginar como isso pode acontecer no laboratório de manipulação. Vamos a um exemplo.
A fabricação de semicondutores exige extrema atenção quanto ao nível de partículas presentes no ambiente. As salas limpas são classificadas como classes de pureza 1, 10, 100, 1000, 10.000 ou 100.000, dependendo do número de partículas de até 0.5 μm por pé cúbico de ar. Para se ter uma idéia o que isso significa, o limite de visibilidade do olho humano é de 50 μm, cerca de metade da espessura de um fio de cabelo. Semicondutores são fabricados em salas limpas de classe de pureza melhor do que 100, onde a exposição de qualquer parte do corpo humano não é tolerada. A razão dessa precaução somos nós humanos, animais sujos, que deixamos um rastro de resíduos por onde passamos. Estima-se que em sessenta segundos uma pessoa imóvel gere cerca de 100 mil partículas — fragmentos de pele, sal, gotículas de óleo, umidade, desodorante e cosméticos — de tamanho suficiente para danificar um circuito integrado em fabricação. Pois bem, ainda que os remédios homeopáticos fossem preparados numa sala limpa de classe de pureza máxima, a chance de haver mais partículas estranhas do que moléculas do princípio ativo na preparação final seria grande. E os laboratórios de manipulação, como se sabe, estão longe de rivalizar com a Intel em matéria de limpeza. Como é que a água sabe distinguir o que é princípio ativo e o que é uma molécula de enxofre do xampu da preparadora? Como distingue, na memória, a molécula do fígado de um pato das milhões de moléculas orgânicas que o preparador despeja no ar pelo mero ato de respirar?
É melhor retomarmos aqui o nosso ceticismo científico, pois a crença nos axiomas da homeopatia exige o abandono do pensamento que conduziu a ciência e a tecnologia a onde se encontram hoje. Retomemos também a reportagem da Folha de São Paulo.
O que dizem os homeopatas
Quanto a reação à crítica científica da especialidade, há homeopatas que dizem ter tirado de sua experiência clínica com a homeopatia demonstrações suficientes de sua eficácia como método terapêutico e há os que insistem em achar um arremedo de explicação científica para essa crendice do século dezenove. Os primeiros beneficiar-se-iam da revisão de alguns conceitos de estatística, método duplo-cego e efeito placebo. É fato conhecido que em experimentos duplo-cego — em que nem o experimentador nem os sujeitos do teste sabem quem está tomando o medicamento e quem está tomando o placebo — uma parte significativa dos que tomam o placebo apresentam melhora de seu quadro clínico. Quanto ao segundo tipo, os que tentam justificar cientificamente a homeopatia, não há o que dizer — a posição é insustentável. As explicações oferecidas para o mecanismo de ação da homeopatia não passam pelo escrutínio de um aluno de primeiro ano de física. Teorias difíceis e mal compreendidas como a física quântica e o princípio da incerteza de Heisenberg são misturadas a crendices extemporâneas e oferecidas como explicação. Isso quando não falam de “forças ainda não descritas pela ciência, que só agora começam a se compreender”.
Os especialistas ouvidos pela Folha não parecem ser radicais e recomendam a homeopatia em associação com outros tratamentos. Esse é um bom conselho. O tratamento homeopático não oferece perigo algum quando se trata de gripe branda ou resfriado: o que medicina cura em uma semana, a homeopatia cura em sete dias, já que o tratamento convencional também é ineficaz para aqueles males. O caso é outro, porém, quando se usa a homeopatia para tratar de doenças que possam deixar sequelas ou mesmo causar a morte. Um dos websites homeopáticos que consultei para escrever este artigo aconselha, num raro momento de sabedoria: “nas doenças infecciosas graves como na meningite, tuberculose, febre tifóide, é conveniente a utilização concomitante com os antibióticos.” Não poderíamos deixar de concordar, com uma pequena mudança na redação. Em caso de doenças graves aconselha-se usar o remédio indicado pela medicina científica. Se a crença do paciente exigir, o tratamento pode ser complementado com homeopatia, simpatia, florais de Bach, promessas a Oçanha ou orações a Nossa Senhora de Aparecida.
NOTAS:
[1] Mário Schenberg comprazia-se em questionar verdades aceitas e estabelecidas. Tinha sempre um ponto de vista original a contribuir. Toda e qualquer discussão era para ele um laboratório onde idéias eram ensaiadas e, então, descartadas ou selecionadas para futuro exame, conforme seu potencial. O fascínio de Mário pela arte e filosofia orientais e a ênfase que colocava na intuição como instrumento para o conhecimento foram usados como licença para atribuir-lhe uma vocação mística bem maior do que a que verdadeiramente tinha. Se tinha afinidade com alguma religião, era com o Budismo, uma religião sem Deus. Por razões que são fáceis de entender, o fato de Mário ter sido um dos primeiros a divulgar no Brasil Fritjof Capra e seu “The Tao of Physics” ganha mais ênfase entre os muitos que o conheceram superficialmente do que suas contribuições teóricas para a teoria dos dielétricos, teoria da ionização e da radiação de Cernkob, teoria clássica e quântica dos campos, relatividade geral, mecânica clássica e raios cósmicos.
[2] O fígado de apenas um pato poderia, na verdade, servir para fabricar todo o estoque do produto até o fim dos tempos.
SOBRE A HOMEOPATIA
Os artigos sobre homeopatia que escrevi para o Observatório da Imprensa resultaram em muita polêmica. Um que parece ter tocado num nervo sensível foi o “Manual do homeopata mirim”, concebido como uma crítica bem-humorada a um artigo do Estadão. Ele me fez ganhar uma ameaça de processo por parte da Associação Médica Homeopática Brasileira (felizmente não levada a cabo, ou, talvez, infelizmente, pois seria uma chance de expor essa crendice absurda chamada homeopatia à luz do dia) e resultou em uma tentativa de boicote ao Observatório da Imprensa. Minha resposta a essas críticas está no último artigo, “É com profunda indignação…”.
José Colucci Jr.
Observatório da Imprensa
4 de fevereiro de 2001- Edição 108
José Colucci Jr.
Observatório da Imprensa
5 de dezembro de 2001
(carta em resposta aos homeopatas)
José Colucci Jr.
Observatório da Imprensa
12 de dezembro de 2001
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