Minha polêmica nas páginas do Observatório da Imprensa com o auto-intitulado filósofo Olavo de Carvalho, ignorante em ciência e defensor do criacionismo.
Acima: Charles Darwin, fotografado por Julia Margareth Cameron (1868)
POR QUE “FANTASMA DE DARWIN?”
Um revolucionário gentil
Darwin nem sempre foi polêmico. Nas décadas seguintes à publicação de “A Origem das Espécies”, em 1859, a teoria da evolução foi bem recebida por naturalistas ingleses e americanos (*). Muitos religiosos não tardaram a aceitar a evolução e, consequentemente, rejeitar a interpretação literal da bíblia. Para a surpresa de Darwin, ansioso sobre a recepção que dariam à obra, sua publicação não causou a controvérsia que ele temia.
Foi só em 1920 – mais de 60 anos após a publicação de “A Origem” – que fundamentalistas cristãos começaram a fazer oposição organizada e combativa às ideias de Darwin, criando o termo criacionismo. Mais tarde, na década de 60, quando o ensino do criacionismo foi banido das escolas públicas americanas por contrariar a lei da separação entre Igreja e Estado, os criacionistas inventaram o “design inteligente” – uma espécie de criacionismo travestido de ciência.
Teorias fundamentais em ciência alteram a nossa visão de mundo. Depois de Copérnico, a Terra deixou de ser o centro do universo; depois de Pasteur, a vida não surgiu mais por geração espontânea; depois de Newton, o movimento dos astros passou a obedecer às mesmas leis que regem o movimento dos corpos na Terra. Com a Teoria da Evolução, Darwin junta-se a esses gigantes intelectuais. Dentre as grandes conquistas do espírito humano, a Teoria da Evolução é uma das mais contraintuitivas. Como podem formas complexas evoluir a partir de formas primitivas sem a intervenção de uma entidade supernatural? Essa ideia, tão difícil de aceitar, tão contrária à vontade humana de enxergar um agente por trás de cada ação, demonstrou também ser uma das teorias mais duradouras da ciência. Enquanto, por exemplo, as leis do movimento de Newton foram suplantadas pela Teoria Especial da Relatividade, de Einstein, a Evolução ainda reina suprema em biologia. E não dá qualquer sinal de que virá a ser suplantada.
Começando pelas observações que Darwin trouxe ao longo de sua viagem pelo mundo a bordo do HMS Beagle aos dados colhidos por novas tecnologias moleculares, as evidências foram se encaixando — uma a uma, como peças faltantes em um quebra-cabeças — para completar o quadro da evolução como o mecanismo responsável pela beleza e diversidade da vida no planeta.
A ideia perigosa de Darwin
A Teoria da Evolução é, ainda, uma ideia perigosa. O filósofo Daniel Dennett chamou-a de “Darwin’s Dangerous Idea”. Ao eliminar a necessidade da intervenção divina e tirar o homem de seu lugar especial frente à criação, Darwin mexeu com a religião estabelecida. Não se faz isso impunemente. Em um dos artigos abaixo, escrevi:
“Tão revolucionária, contraintuitiva e perigosa é a Teoria da Evolução que, até hoje, mais de 150 anos após Darwin, ela ainda apavora muita gente. Nos EUA, os que ainda acreditam que os seres vivos foram criados tal qual são pelo criador onipotente são denominados “criacionistas”. Uma vez que os criacionistas não fazem ciência, e não contam com o suporte de evidências, pesquisas e teorias minimamente plausíveis, sua obsessão é criticar a evolução e os evolucionistas, ou o que percebem como falhas nestes. Para essa tarefa contam com a ajuda ocasional de um ou outro ignorante em ciência que os defende na imprensa com fervor, digamos, religioso. Lendo O Globo descobri que, no Brasil, o filósofo Olavo de Carvalho se presta a esse papel.”
O que segue são links para a longa polêmica que travei com o autointitulado filósofo (**) nas páginas do Observatório da Imprensa. O título que dei aos meus artigos reflete o espanto de saber que, quase 150 anos depois de “A Origem das Espécies”, o fantasma de Darwin continua a assombrar os ignorantes.
Não entre no chiqueiro para lutar com um porco.
Você e o porco se cobrirão de lama,
mas só o porco irá gostar.
Dito atribuído na forma original a George Bernard Shaw (1856-1950)
Ouvi variações do conselho acima de muita gente boa assim que me meti a debater com o Olavo de Carvalho nas páginas do Observatório da Imprensa. Tinham razão. Por outro lado, ficou claro para mim e, espero, para os que tiverem paciência para ler a polêmica toda, que intelectualmente o Olavo é um peso leve. A direita brasileira mereceria alguém mais capaz. Ou, talvez, não. No Brasil os extremos da direita e da esquerda se igualam na ignorância. Tirem dos textos do Olavo as ofensas pessoais e a fanfarrice, e o que resta não para em pé. Confiram.
(*) Uma das exceções notáveis foi o paleontologista suíço-americano Louis Agassiz, que atribuía a existência de fósseis a uma série de catástrofes seguidas de recriações divinas.
(**) Não me alinho com os que dizem que Olavo comete crime de falsidade ideológica ao se dizer filósofo. Filosofia não é profissão regulamentada como medicina, direito ou engenharia. Qualquer um pode filosofar. O meu barbeiro, do tempo em que eu tinha cabelo, era um excelente filósofo. Bem melhor do que o Olavo.
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A POLÊMICA
O fantasma de Darwin – Parte 1
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20 de julho de 2004 – Edição 286
Resposta a um fantasma de Boston (1)
Olavo de Carvalho
Observatório da Imprensa
3 de agosto de 2004 – Edição 288
Resposta a um fantasma de Boston (2)
Olavo de Carvalho
Observatório da Imprensa
7 de setembro de 2004 / – Edição 293
O fantasma de Darwin – Parte 2
José Colucci Jr. (*)
Observatório da Imprensa,
5 de outubro de 2004 – Edição 297
Novos blefes de um vigarista contumaz
Olavo de Carvalho
(resposta de José Colucci Jr. ao fim da página)
Observatório da Imprensa
19 de outubro de 2004 – Edição 299
Olavo de Carvalho apagou o debate de seu site. Interessante que ele manteve, na íntegra, o debate na USP com o Alaor Café Alves. Olavo é um impostor intelectual.Acompanhei esse debate na época. O homem é de uma cegueira ideológica, calculada, sem precedentes. Apanhou e muito.
Obrigado, Deyb. Eu só lamento uma coisa: não ter guardado os e-mails alucinados que ele e seus seguidores me enviaram na ocasião. Seria um material interessante para o estudo da psicologia da paranóia e do fanatismo ideológico. Abraço.