Cenário Otimista
As autoridades da saúde, apoiadas pelos governantes estaduais e municipais, implementam medidas severas de isolamento social, testes intensivos e acompanhamento dos casos de infecção. Serviços essenciais são preservados. O véio da Havan protesta. Diz que será forçado a demitir 22 mil funcionários. O empresário Roberto Justus diz que isso é só uma gripezinha leve, histeria coletiva. “Não vai acontecer porra nenhuma se o vírus entrar na favela, pelo contrário. Essa molecada que tá na favela nem fica doente”, diz o publicitário pós-graduado em epidemiologia pelo YouTube.
Os casos no Brasil chegam ao pico em maio começam a declinar em junho, graças à colaboração da população, que entendeu a necessidade do isolamento social. Depois de um mês, as autoridades eliminam as medidas de contenção. Lentamente, a economia volta ao normal. Isto é, o normal de antes da pandemia, do jeito que o ministro Paulo “Pibinho” Guedes tinha deixado. A maioria das pessoas que havia perdido o sustento consegue arranjar outra ocupação. Nem todas as pessoas se recuperam financeiramente. E nem todos os negócios, especialmente os negócios pequenos. O consenso no seu grupo de WhatsApp é que o coronavírus foi um mimimi da esquerda, espalhando pânico para destruir a economia. A dengue mata muito mais. O presidente declara: “Pô, eu falei que isso era só uma gripezinha. Coisa de petista, talkey? Bando de va-ga-bun-dos!”
Cenário Pessimista
Bolsonaro consulta a maior autoridade em saúde pública que conhece, o guru Olavo de Carvalho, que diz que pessoa alguma morreu por causa do coronavírus. O presidente acredita. Em pronunciamento oficial, diz que vida deve continuar, que devemos voltar à normalidade. O risco é só para os idosos. Na Itália morreram muitos porque é um país de velhos. Encorajados pelo presidente, os brasileiros continuam a ir ao trabalho, à escola, e a se juntar em lugares públicos. Afinal, o presidente está certo. A economia não pode parar. O dono do Madero tem que continuar a vender picanha. O velho da Havan tem que continuar a vender quinquilharia. Seus funcionários têm que sobreviver. O país depende desses empresários abnegados.
Os números iniciais da infecção, que pareciam pequenos, se multiplicam assustadoramente. A curva de crescimento do número de infectados é similar à da Itália, mas Bolsonaro continua garantindo que é só uma gripezinha. Em uma semana todo mundo tem algum conhecido que morreu da doença. Em duas semanas, todo mundo tem alguém da família que morreu da doença. Em algumas cidades, serviços essenciais, inclusive os da saúde, param de funcionar por falta de médicos e enfermeiros. É decretada emergência nacional. O exército nas ruas impede o livre trânsito de cidadãos. É inútil levar o doente a hospitais. Não há vagas, nem médicos, nem respiradores. Muita gente morre de outras causas, de enfarto, de AVC, de câncer por causa dos hospitais superlotados. Cadáveres são encontrados em apartamentos depois que os vizinhos reclamam do mau cheiro.
A confiança da população nas autoridades desce a um nível nunca visto desde o impeachment de Fernando Collor. Diante da pressão da população, do congresso, do exército e do STF, a família Bolsonaro renuncia à presidência da República. O General Mourão passa a comandar o Brasil de dentro de sua bolha esterilizada. O país mergulha no caos político. Mourão diz que não há clima para convocar novas eleições, como quer a imprensa. Ajuda estrangeira chega ao Brasil. Médicos de Cuba, suprimentos da China, preces e pensamentos positivos dos EUA. O crescimento do PIB — o Pibinho do Guedes — é negativo: a economia brasileira encolhe. Engenheiros disputam vagas de balconista. Balconistas disputam vagas de coveiro. Coveiros disputam lugar com os mortos que enterraram. O Brasil passa da oitava economia do mundo para décima primeira. Paraguai, Argentina e Uruguai se unem para construir um muro que impeça os brasileiros de invadir seus países pela fronteira.
O cone das possibilidades
Esses cenários fazem parte do que os estudiosos chamam de “cone das possibilidades”. O primeiro cenário, otimista, foi inspirado no que aconteceu na Coréia do Sul, onde as infecções aumentaram em um ritmo rápido nas primeiras semanas, mas o crescimento delas foi controlado pelas medidas eficientes tomadas pelas autoridades coreanas. O segundo é o cenário italiano transportado para um país que tem três vezes e meia a população da Itália, um sistema de saúde bem mais precário e um número enorme de pessoas morando em condições que não facilitam o isolamento social. As implicações políticas foram por minha conta. O que interessa no exercício não é se são prováveis. É se são possíveis. E acho que são. O que acontecerá na realidade depende das ações que tomarmos como nação. Que Deus nos proteja.
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