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Imagine-se o prejuízo para a nação se as predições das conchas de moluscos gastrópodes, ou búzios, como são vulgarmente conhecidas, se revelarem tão inexatas quanto as dos economistas do governo.

Acima: Antigo mapa astrológico

CARTA ABERTA AO SENADOR ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ)

 

Exmo. Sr. Senador Artur da Távola,

 

Foi com satisfação que soubemos pelo jornal O Estado de S. Paulo de 20 de junho de 2002 que o projeto de lei de Vossa Excelência regulamentando a profissão de astrólogo foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Proposta similar, aliás, foi apresentada pelo deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) no Projeto de Lei 6748/02.

Já era tempo de reconhecer o esforço e a importância desses bravos profissionais que, segundo o ilustre Senador, devem “calcular e elaborar cartas astrológicas de pessoas, entidades jurídicas ou nações, por meio de utilização de tabelas e gráficos relativos ao movimento dos astros”.

Um benefício imediato do reconhecimento da profissão de astrólogo é criar o precedente legal para que cartas astrológicas sejam usadas em recrutamento e seleção de pessoal. O valor da proposição para o preenchimento de cargos no governo é imenso, pois, como bem sabe o ilustre Senador, a rigidez dos concursos públicos não permite aos governantes escolher adequadamente características pessoais desejáveis nos postulantes a cargos públicos. Com a aprovação da lei, os governantes recuperam um pouco da flexibilidade que, desde a aprovação da lei Afonso Arinos, lhes vem sendo progressivamente tolhida.

Acreditamos, no entanto, que o projeto não é suficientemente abrangente. Além da astrologia há outras profissões respeitáveis que ainda não contam com o reconhecimento oficial. Devemos lembrar, por exemplo, dos profissionais que “estabelecem juízos a partir do estudo das configurações das cartas do baralho”. Ou, ainda, dos que “leem o destino com base no arranjo geométrico assumido por conchas de moluscos gastrópodes atiradas ao acaso”. Sem esquecer das profissionais (cabe aqui a discriminação, já que nunca as vimos de outro gênero) que “predizem o futuro com base em projeções mentais visualizadas sobre uma esfera de material cristalino”.

Salientamos que a habilitação profissional necessária para que os candidatos possam concorrer a cargos públicos – como Astrólogo Oficial do Senado, Nível II – e participar de concorrências e licitações deve reger-se por critérios rigorosíssimos, dada a sua importância. Imagine-se o prejuízo para a nação se as predições das conchas de moluscos gastrópodes, ou búzios, como são vulgarmente conhecidas, se revelarem tão inexatas quanto as dos economistas do governo.

Pensando bem, concursos e licitações são desnecessários, uma vez que seu resultado será conhecido pelos participantes antes mesmo que sejam realizados. Assim, cargos importantes como o de Vidente Geral da República, por exemplo, devem ser preenchidos por aclamação.

A ênfase será na formação do profissional. Os praticantes da astrologia e de outras modalidades de aconselhamento baseadas na leitura de objetos animados ou inanimados, como a borra de café no fundo de uma xícara, devem ser formados em cursos oficialmente reconhecidos. Os formados no exterior, como na École des Hautes Estudes en Sciences de Divination, devem ter o seu currículo adivinhado por profissionais credenciados no Brasil.

Além disso, os profissionais devem organizar-se em conselhos e associações de classe. O ideal seria que, a exemplo da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil –, houvesse um exame da ordem. Como sugestão, os afiliados da OVA – Ordem dos Videntes Associados – deveriam prever o resultado das partidas do próximo campeonato brasileiro de futebol e obter a habilitação definitiva apenas quando as suas previsões se confirmarem. O CABRA – Conselho dos Astrólogos do Brasil – deveria solicitar aos candidatos que relacionem perfis psicológicos e dados biográficos de pessoas reais identificadas apenas por números às respectivas datas de nascimento, apresentadas em coluna separada. O fato de pesquisas científicas mostrarem que não existe correlação alguma entre esses dados não deve ser impedimento, pois há uma especialidade médica que desafia as leis da física e da química e é, no entanto, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina.

Com a regulamentação dessas profissões pode-se coibir o exercício ilegal das mesmas, com grande proveito para o público e, principalmente, para os profissionais regulamentados. Logo após a publicação da lei no Diário Oficial da União, fica proibida, em todo o território nacional, a prática, por profissionais não-habilitados, da astrologia, cartomancia, datilomancia, necromancia, psicomancia, rabdomancia e, para simplificar, tudo o que termine em “mancia”. Pais-de-santo que, mesmo sem formação superior, demonstrem excepcional competência no manejo das conchas de moluscos gastrópodes podem obter a licença desde que consigam pronunciar “moluscos gastrópodes”.

Para finalizar, gostaríamos de chamar a atenção de Vossa Excelência para uma profissão que merece tanto respeito quanto a astrologia, apesar do estigma que a cerca. Falamos da copromancia, ou seja, a arte de “estabelecer juízos a partir do estudo das configurações de massa fecal de qualquer espécie, calculando e elaborando cartas fecais”. Vossa Excelência certamente não ignora os pejorativos que o vulgo usa para referir-se a esses profissionais de mérito – uma situação humilhante, que causa a defecção de muitos. Com o reconhecimento oficial, os copromantes poriam um basta na situação organizando-se regionalmente nos COCO – Conselhos de Copromancia – para, finalmente, após tantos anos, poder andar de cabeça erguida. Afinal, se a influência de astros distantes se faz sentir sobre os homens, o que dizer da influência de matéria tão intimamente afeita ao corpo humano?

Contando com o seu apoio, subscrevemo-nos,

 

Atenciosamente,

José Colucci Jr. (Redator)
Leo Vines
Daniel Sottomaior
Mauro Majewski
Marcelo Barbosa

 

PS: A mesma edição de O Estado de S. Paulo (20/6/2002) que noticiava o projeto de lei de Vossa Excelência aconselhava os leitores, na seção Astral: “Hoje é propício rir dos problemas que mortificam sua alma.” Excelente conselho. Foi o que fizemos.

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